Essa é uma história que eu conto para minhas filhas na hora de dormir. Não é inventada, não. Aconteceu de verdade.
Na minha infância, entre os 8 e 12 anos aproximadamente, minha tia Inês dava de presente para mim e pro meu irmão Fernando (e, indiretamente, também para os meus pais), uma viagem para um acampamento chamado Leões da Montanha (atualmente chamado Turma dos Leões - http://www.vialeoes.com.br/ - por que mudou de nome?).
Minhas memórias dessa época não são muito detalhadas, mas alguns episódios ficaram bem marcados, de forma que é possível descrevê-los de forma aceitável. Antes que eu fique (mais) velhinho, vou deixar alguns deles documentados aqui, com a esperança de "perpetuá-los" eletronicamente.
Não lembro exatamente a idade que eu tinha nesta ocasião, mas estávamos no início do acampamento, provavelmente no primeiro dia (a rigor, o segundo, já que chegávamos de noite). A "logística" básica do acampamento é juntar um bando de crianças (de 50 a 100, não lembro) e dividi-las em equipes (pelo menos 4) que disputarão várias provas em formato de gincana. Os resultados destas provas são convertidos em pontuação, somados e, ao final do período (acho que era aproximadamente uma semana), é apurado um vencedor, ou campeão se preferir.
Naquela primeira manhã, após o café, seria disputada a primeira prova: corrida. Era uma prova bem curta, não chegava a 100m. Naquela época eu já gostava de correr e, modéstia à parte, eu corria bem rápido. O formato da prova era dividir a criançada em várias baterias, separando meninos de meninas, e colocando para correr juntas as crianças com idades parecidas. Os vencedores somariam uma pontuação maior para suas equipes.
Quando alinhei para a minha largada eu estava bem concentrado. Sabia que tinham outros meninos ao meu lado, mas eu estava focado na minha corrida, em dar o meu melhor. Era tudo muito rápido. Foi dada a largada, saí feito um raio, vento no rosto, passadas estilingadas, a linha de chegada se aproximando e, aparentemente, ninguém à minha frente. Quando cruzei a corda que delimitava o final de prova, olhei rapidamente para a minha direita e percebi um outro guri chegando "milímetros" antes de mim. Somente naquele momento me dei conta que não tinha sido o vencedor. Era algo inconcebível, inimaginável. Eu tinha certeza de que ganharia. Não era soberba, não. Eu tinha convicção de que era o melhor, eu acreditava naquilo. Não era para me achar superior. Para mim, aquilo era um fato. Fato este que acabava de desmoronar, implodir, evaporar, desintegrar-se, virar pó. E, ainda por cima, o outro menino era um pouco menor que eu (de tamanho, não de idade).
Antes que eu pudesse avaliar o significado daquela situação, um dos monitores que estavam por ali percebeu que eu estava desnorteado (frustrado mesmo) pois não vencera, e tentou consolar-me com a seguinte frase: "olha Fabio, não fique triste, aquele menino SEMPRE ganha esta corrida. Ele é o melhor corredor que já passou neste acampamento. Ninguém consegue ganhar dele. Você foi o único, até hoje, que conseguiu chegar perto."
Não lembro se eu falei ou só pensei: "A é? Nada disso. Eu posso ganhar dele".
Passaram-se os dias, várias outras atividades muito legais que, se der, algum dia eu escrevo por aqui. O episódio da corrida foi "deixado para trás" e eu aproveitei aqueles momentos felizes da forma que podia.
No último dia, contudo, haveria uma última prova, que seria uma corrida ao redor de todo acampamento. A largada se dava em frente à sede administrativa, passava em frente à vendinha (onde vendiam-se doces e salgadinhos), virava à esquerda e direita para contornar os dormitórios pela parte traseira, passava por trás do galpão coberto (para as atividades em dias de chuvas), virava à direita e descia para o campo gramado (onde foi a corrida do primeiro dia), virava à direita passando pelo meio do campo, descia novamente pelo caminho entre o refeitório e a piscina, passava por uma região que não lembro para que servia, numa curva aberta à direita, e subia em direção à sede administrativa, fazendo a última curva à direita, com direito a um pequeno sprint curtinho na última reta no chão batido de terra.
Devia ter 1 Km. Sei lá.
Novamente montaram-se as baterias. E eu decidi que aquela era a hora da revanche, a hora da vingança. Ah ah rá! (sorriso sinistro). Agora aquele menino ia ver uma pessoa que podia ganhar dele. Ele ia aprender uma lição (coitado, acho que ele nem sabia daquilo).
Alinhei-me para a largada. O menino ao meu lado. Devia haver outras crianças também, mas para mim o universo inteiro se resumia a mim, o menino, e o percurso à minha frente.
O sinal de largada soou. Saí feito um foguete, em disparada, na maior velocidade que eu podia. Não tava nem aí que era uma prova de resistência. Só uma coisa importava: vencer.
Já na primeira curva eu era o líder. Após a segunda curva, logo em seguida, não vi mais ninguém. Fiz o percurso inteiro voando. Não olhei para trás. Só comecei ficar cansado na última subida, e ainda consegui fazer uma chegada "forte".
Ganhei!
Aos poucos foram chegando os outros garotos, mas eu só queria dizer para aquele monitor: "e agora? Fala de novo que ninguém ganha daquele menino". Acho que não cheguei a dizer isso. Nem lembro quem era o monitor. Desfrutei minha vitória com meus amigos da equipe.
Espero que você, prezado(a) leitor(a), não esteja frustrado(a) por, até aqui, eu não ter mencionado nada a respeito do título (ou seja, doping). Mas a sua espera acabou: vou fazê-lo agora.
Infelizmente, não me recordo se foi neste acampamento citado ou se foi em outro ano. Gosto de pensar que foi neste mas, sinceramente, não posso dar certeza.
O fato é que, no café da manhã do último dia de acampamento, estávamos todos da equipe sentados na mesma mesa (aquelas mesas compridas, com um banco de tábua em cada lado). Enquanto comíamos nosso pãozinho e nos servíamos de achocolatado, coloquei em meu copo uma quantidade IMENSA de açúcar, algo como duas ou três colheres de sobremesa (ainda bem que o copo era grande). A menina ao meu lado olhou com uma cara de espanto, e deve ter dito algo como "meu Deus, quanto açúcar!". Só lembro de ter falado: "é que hoje tem uma corrida muito longa, e eu preciso de muita energia. Você sabe, né? Açúcar é energia".
Pois este foi o meu doping.
Hoje de manhã, tomando o meu "café" (se bem que não bebo café, mas esta é uma expressão coloquial), lembrei-me desses episódios. Fiquei pensando em escrevê-los aqui no blog, e em como seria bacana registrar isso. Pensei também em como as crianças podem fazer coisas de forma irresponsável e inocente ao mesmo tempo. Não sou médico, mas pelo pouco que sei eu poderia ter passado por uma crise hiperglicêmica. Graças a Deus não rolou nada de errado (não que eu lembre he he he). Ainda bem que não tinha exame anti-doping rsrs.
ua